9 de setembro de 2010

E lá estava Severino...

Texto de domínio público.
Foto de domínio público
(...) Seguia firme e pensativo. Se é que dava para se pensar em algo em ambiente tão árido, tão hostil e tão longe do ''mundo''.
Severino acordara como sempre de costume, ás quatro da manhã, lavara seu rosto com a pouca água armazenada em uma cisterna, ''doada'' pelo governo.
Uma rápida olhada para o céu estrelado e lá ia ele para sua rotina diária, a busca por comida. Aliás,  saia sem comer nada. Sertanejo bravo, sempre arisco, até com a fome.
Severino saía ás pressas, no escuro da madrugada quente, do jeito que estava. Com a calça do tipo social, camisa fina, ''chinelas'' e levando consigo, seu chapeú de couro, utensílio mais que necessário no sertão nordestino.
Não sabia ao certo sua idade, julgava ter quarenta ou cinquenta anos, nunca se importou com isso. Tivera com Maria das Dores, treze filhos, seis deles mortos pela desnutrição. Severino não sabia o que era desnutrição, achava que as crianças morriam por alguma razão espiritual. Maria também não sabia sua idade.
Analfabeto, só assinava com o polegar, direito adquirido ao tirar seu RG e título de eleitor. Não possuia C.P.F. Aliás, Severino nem sabia para que essas coisas serviam. Nunca ouvira falar de IBGE ou qualquer outra coisa do governo, não era aposentado. Correr atrás de algo para comer, era mais importante, sempre.
Passara por tudo na vida, inclusive ''fome''. Para Severino, o ''pior'' da vida já havia passado. Não lhe deram oportunidades de nada, nem de entender que ''mundo'' era esse ao qual ele fora ''condenado'' a viver pelo resto da vida.
Sempre ouvira falar de homens que cresceram no mesmo ambiente em que o dele, que ''prosperaram'' as custas de muito trabalho nas cidades grandes de outros estados ou que se enganaram e, morreram sem ao menos voltar para os seus.
Severino era matuto, qualquer coisa lhe fazia desconfiar das pessoas, mas tinha muito a ensinar. Ensinar como se tenta sobreviver em meio ao nada, em meio a fome.
A pressa de Severino era justificada, precisava alimentar as sete bocas ainda pequenas, entre três e doze anos de idade. As crianças em fase escolar, não estudavam, por quê ali, não havia escola. Maria das Dores e Severino, se quer conheciam uma escola.
Maria das Dores, cuidava da pequena casa de sapé e pau a pique, chão de terra batido, mas sempre ''limpa''.
Era ela também que juntamente com as sete crianças, buscava água para matar a sede, para tomar banho e para cozinhar. E era água barrenta, que vinha para as cisternas ''doadas'' pelo governo.
As seis da manhã, o sol ardia a pleno, os pastos secos, animais magros e o vôo do carcará se fazia presente por mais um dia que era somente a cópia do outro passado.
Em meio a tudo isso, Maria das Dores e Severino, rezavam e cantarolavam ladainhas, pedindo a algum santo qualquer, proteção para as crianças e eles mesmos.
As crianças mal trapilhas, brincavam o dia todo correndo atrás de algumas galinhas que transitavam em seu quintal e, se divertiam, rindo inocecentemente com seus dentinhos podres e amarelinhos a mostra. Era a vida e suas nuances.
Não tinham televisão, logo não sabiam quem era seu presidente, onde estavam, em que ano estavam, em que continente estavam.
Maria das Dores e Severino, sabiam serem brasileiros, porque alguém, em um dia qualquer os dissera.
Severino tinha uma camiseta do Flamengo, doada por alguém, camisa da década de oitenta. Era para ele, artigo de ''luxo'', usá-la quando ia a missa, ''festas'' ou a funerais.
Severino tinha que voltar logo para casa, para poder ''orgulhosamente'', encher os olhos e barrigas da mulher e filhos que os esperavam ansiosos.
Árduo dia... Árdua vida... Meses sem água... Pensava Severino.
Maria das Dores, não sabia o que era um médico, jamais ouvira falar de algum tratamento para evitar ter mais filhos ou qualquer outro método contraceptivo.
A face queimada pelo sol, o céu de um azul celeste intenso, o cheiro da morte sempre pairando no ar.
Severino não sorria. Severino lutava. Sua luta era para não morrer de fome.
Homem duro, coração ''empedrado'', vida sofrida, pés rachados.
Severino não sabia o que era eleição e, ao voltar para casa, com um calango preso aos braços, feliz da vida por ter carne para comer, se depara com uma cena nunca vista antes em sua vida.
O espanto é visivel em sua face, o medo se faz presente. Não está entendendo nada.
No meio do nada, da poeira, no sertão castigado, surge alguém para lhe dizer:
- Amigo! Conto com seu voto! É importante que você vote em mim, para ''juntos'' mudarmos este cenário aqui. Tome uma cesta básica, um cartão do ''Bolsa-Família'' e camisetas para você e toda a sua família. Conto com seu voto.Depois passamos aonde o senhor mora, para pegarmos seus dados e de sua família, juntamente com seu número de título de eleitor e seu C.P.F. Seu e de se sua esposa. Abraços ''amigo'' eleitor.
Severino olha bem para aquele homem estranho, de roupas estranhas, ''carroças'' estranhas, com celulares que não funcionavam naquele lugar e somente lhe faz um pedido:
-Seu moço! Posso até votar no senhor, mas me faça uma coisa? Tu pode mandar Deus fazer chover nesse sertão rachado para que eu possa dar de comer dignamente a minha família, e  não precise matar esse calango para comer e que fui achar há mais de dez léguas daqui?
O homem nada diz e vai embora com sua comitiva. A vida não mudará pensa Severino que, parte as pressas para chegar em casa e saciar mais uma vez a fome de todos.
E Severino segue seu caminho. Em meio a poeira da terra seca, do chão maltratado pela falta de chuva, do verde para o pasto e pela luta de querer não morrer sem saber que tipo cidadãos eles são para o seu país.

Pense nisso na hora de escolher seu ''representante''.
Amigos e amigas do Opinião e Critica Brasil, resolvi dar uma diferenciada em meu post de hoje. Tentei analisar, de alguma maneira o por que de ainda existirem os idiotas.
Abraços a todos. Conto com seus comentários.